Costa, Marceliano. 31/08/2025
No século XVII, o estudo do movimento estava no centro das discussões científicas. Dois grandes pensadores, Isaac Newton e Gottfried Wilhelm Leibniz, ofereceram interpretações diferentes sobre como a massa e a velocidade se relacionavam na descrição da natureza.
Newton, em seus Principia Mathematica (1687), defendia que a grandeza fundamental para caracterizar o movimento era a quantidade de movimento (o que hoje chamamos de momento linear), definida como:
Q= m⋅v
Quantidade de movimento é a massa vezes a velocidade;
Para Newton, essa era a grandeza que melhor descrevia os efeitos das forças sobre os corpos.
Já Leibniz propôs outra visão. Em 1686, ele introduziu o conceito de “força viva” (vis viva), argumentando que a grandeza conservada nos fenômenos naturais era proporcional ao produto da massa pelo quadrado da velocidade:
Fv= m⋅v²
Essa formulação estava diretamente ligada à ideia de que os corpos em movimento possuíam uma “força interna”, que não podia ser explicada apenas pela quantidade de movimento linear. Leibniz acreditava que era a vis viva que explicava melhor os efeitos dos choques e transformações de movimento.
Esse debate gerou uma intensa disputa na Europa do século XVIII: afinal, a natureza conservava m⋅v (massa vezes velocidade) ou m⋅v² (massa vezes velocidade ao quadrado) ?
O debate foi finalmente resolvido por observações e por um artigo publicado por uma cientista mulher conhecida como du Chatelet que fazia referência a um experimento simples de outro cientista para distinguir entre as duas hipóteses.
Quando uma pequena esfera de bronze cai sobre a argila, ela deixa uma depressão no material. Se a esfera bater com o dobro da velocidade, e se a definição correta fosse massa x velocidade, a depressão na argila deveria ser duas vezes mais funda. Mas o experimento revelou que a depressão produzida era 4 vezes (2 ao quadrado) mais funda.
Deixando a esfera cair de uma altura maior, de modo a colidir com a argila com velocidade 3 vezes maior, produzia uma depressão que não era 3 vezes mais funda, e sim 9 vezes (3 ao quadrado) mais funda. Dessa forma, du Chatelet pois fim a controvérsia e deu luz a ciência que se construiria nos próximos séculos. ( Hewitt, Paul G. 2015 )
Mesmo com tamanha façanha, é importante frisar que o século XVIII embora tenha sido um período marcado por grandes avanços científicos e de que era o tempo de Newton, Leibniz, Voltaire e tantos outros nomes que entraram para a história. Nesse cenário, no entando, as mulheres eram quase sempre silenciadas.
Naquela época, o acesso feminino ao conhecimento era limitado: mulheres não podiam frequentar universidades, eram excluídas das academias científicas e muitas vezes ridicularizadas quando demonstravam interesse por matemática, filosofia ou física. A crença dominante era a de que a razão e a ciência eram “domínios masculinos”, enquanto às mulheres caberia apenas a vida doméstica.
Apesar disso, várias delas desafiaram o sistema. Algumas mulheres usavam nomes masculinos para publicar artigos ou traduzir obras, já que uma assinatura feminina poderia levar ao desprezo ou ao esquecimento imediato. Em outros casos, publicavam de forma anônima. Essas estratégias revelam como o preconceito estrutural obrigava cientistas talentosas a esconderem sua identidade para que suas ideias fossem levadas a sério.
Nesse contexto, a história de Émilie du Châtelet ganha ainda mais importância. Filósofa e física francesa, Émilie não apenas estudou e escreveu sobre os grandes debates científicos de sua época, como também traduziu e comentou a obra de Newton, algo que se tornou referência até hoje. Sua produção intelectual mostrou que as mulheres eram capazes de dialogar de igual para igual com os maiores pensadores de sua geração.
Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Châtelet, conhecida como Émilie du Châtelet, nasceu em 1706 em Paris. Desde jovem, recebeu uma educação pouco comum para mulheres da época: aprendeu latim, grego, matemática e ciências. Ela se destacou por entender profundamente a física e a filosofia, mostrando que mulheres também podiam contribuir para o conhecimento científico.
Casada com o marquês de Châtelet, ela tinha certa liberdade para se dedicar aos estudos. No Château de Cirey, onde viveu com Voltaire, criou um ambiente de intensa colaboração intelectual. Lá, fez experiências e refletiu sobre como a velocidade de um corpo afetava seu impacto.
Émilie du Châtelet morreu em 1749, mas deixou um legado duradouro: mostrou que a ciência não tem gênero e que ideias complexas podem ser explicadas de forma elegante e acessível.
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